domingo, 13 de março de 2011

"...o Auto da Compadecida!"

Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.
Análise da obra. Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, é uma peça clássica do teatro brasileiro, escrita em 1955 e publicada em 1957. Virou minissérie de televisão e ganhou uma versão para o cinema. Abordando temas universais como a avareza humana e suas amargas conseqüências, por meio de personagens populares, Suassuna, nesta obra, prepara o espectador para um desfecho moralizante conforme os preceitos do cristianismo católico.A visão cristã da vida presente no Auto traz uma concepção da religião como algo simples, agradável, doce e não como uma coisa formal e solene, difícil e mesmo penosa. Essa intimidade com Deus, e a idéia de simplicidade nas relações dele com os homens, essa compreensão da vida e fé na misericórdia, parecem aspectos primordiais no sentido religioso da obra: a compreensão das faltas humanas, atribuída à Nossa Senhora, que, como mulher, simples e do povo, explica-as e pede para elas a compaixão divina. A obra trata-se de uma farsa que é igualmente uma reflexão sobre as relações entre Deus e os homens: um milagre de Nossa Senhora, como os medievais, apresentado sob a forma de uma pantomima de circo. Até o seu catolicismo é popular, favorecendo os humildes contra os ricos, menos por influência política do que por uma profunda simpatia cristã pelos fracos e desprotegidos.Assim, o que Suassuna passa é que o homem do sertão deve ser perdoado, de seus pecados, por experimentar inúmeras dificuldades, tanto de ordem climática, quanto social. O sofrimento passado em vida já é capaz, por si só, de absolver todos os pecados – conseqüências de seu cotidiano exigente e de sua luta por sobreviver. O sertão é terra de ninguém, deserto ameaçador donde emergem deuses e diabos, sob a égide do acaso, do caos e da fatalidade. Esses seres-ameaçadores espreitam o homem por dentro e por fora. Em meio ao caos que os alimentam, estabelecem continuamente a recriação da ordem, num processo infinito de auto-eco-organização.O autor mostra um povo religioso, de pé no chão, acuado pela seca, atormentado pelo fantasma da fome e em constante luta contra a miséria. Traça o perfil dos sertanejos nordestinos que estão submetidos à opressão a que foram, e ainda hoje são, subjugados por famílias de poderosos coronéis que possuem terras e almas por vastas áreas do Brasil.Dentro desse contexto, João Grilo é a figura que representa os pobres oprimidos, é o homem do povo, é o típico nordestino amarelo que tenta viver no sertão de forma imaginosa, utilizando a única arma do pobre, a astúcia, para conseguir sobreviver.Suassuna leva a julgamento almas, diante do tribunal, dirigido por Deus e o diabo, que são pecadoras devido às condições sociais existenciais, que se apresentam mais fortes que os valores morais. São acusados o bispo e o padre João, por se utilizarem da autoridade religiosa para enriquecerem. No entanto, com a intercessão de Nossa Senhora, a sentença é atenuada e eles se encaminham para o purgatório. O padeiro, por ser sovina, e sua mulher, por adultério, também recebem a sentença final de ocuparem, juntamente com o padre, o bispo e o sacristão, os cinco lugares vagos do purgatório. São acusados também o cangaceiro Severino e o cabra dele, por tirarem a vida das pessoas sem autorização divina.A oposição bem x mal, tipicamente da visão maniqueísta cristã, que conseqüentemente divide o mundo em céu e inferno, é característica que consta na peça. O julgamento é moral, portanto condenam-se os vícios e as vaidades e glorifica-se a modéstia e a humildade.Se encontra também uma severa crítica aos maus costumes dos representantes da Igreja, que abusam de seu poder, contribuindo para a corrupção da instituição, uma vez que favorecem os ricos e têm hábitos que são condenados pela própria Igreja.O título da obra remete à noção de que o homem é um ser passível de erro, mas é possível que seja perdoado, por intermédio da “Compadecida”, Nossa Senhora, que, na Igreja Católica, é considerada pelos fiéis a advogada capaz de interceder pelos pecadores junto a Jesus Cristo.Dessa forma, em diversas passagens da obra, podem-se interpretar tanto o comportamento de Manuel, como o da Compadecida, como mais humanizados e condescendentes com as falhas humanas, retratados, às vezes, até com uma boa dose humor. O autor permite-se o exercício de um diálogo simultaneamente complementar e antagônico entre morte e vida. Por meio dele abre-se uma brecha, que introduz a dimensão da imortalidade desvelada, por exemplo, na ressurreição do personagem João Grilo. Em Auto da Compadecida, Ariano Suassuna consegue realizar uma magnífica síntese de duas tradições: a dos autos da era medieval e a da literatura picaresca espanhola. Na era medieval, a cultura era indissociável da religião, mesmo porque a Igreja controlava tudo com mão de ferro. A Igreja cultivava os autos dramáticos de devoção aos santos para doutrinar e tolerava os autos cômicos para divertir o povo. A tradição da literatura picaresca espanhola vem da cultura popular e chega ao ápice no Dom Quixote, de Cervantes. Segundo o autor, a peça nasceu da fusão de três folhetos de cordel: O enterro do cachorro, O cavalo que defecava dinheiro e O castigo da soberba.A obra apresenta os seguintes elementos que permitem a identificação de sua participação num determinado estilo de época da evolução cultural brasileira: 1- O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da cultura de língua portuguesa, o auto é uma modalidade do teatro medieval, cujo assunto é basicamente religioso. Assim o entendeu Paula Vicente, filha de Gil Vicente, quando publicou os textos de seu pai, no século XVI, ordenando-os principalmente em termos de autos e farsas.Essa proposta conduz a que a primeira intenção do texto está em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil de Vicente, que realizou o ideal do teatro medieval um século mais tarde, isso no século XVI, portanto, em plano Quinhentismo (estilo de época).2- O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a tradição oral dor a romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em termos de literatura de cordel. Propõe, portanto, um enfoque regionalista ou, pelo menos, organiza um acervo regional com vistas a uma comunicação estética mais trabalhada.3- A síntese de um modelo medieval com um modelo regional resulta, na peça, como concebida pelo Autor. Se verificar que as tendências mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional dos processos estáticos, pode-se concluir que o texto do Auto da Compadecida se insere nas preocupações gerais desse estilo de época, deflagrado a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Um modelo característico dessa síntese se encontra em Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1927, e em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), entre outros.O ESTILO DO AUTORQuando se faz a interpretação de uma peça teatral, o estilo do autor deve ser analisado dentro de uma perspectiva totalmente diferente daquela que adota-se para a interpretação do romance, do conto, da novela, do poemas - da Literatura, enfim. Isso acontece porque a concepção do texto teatral baseia-se na finalidade do mesmo: a representação por atores. Já o texto literário é concebido para ser lido e meditado pelo leitor, assumindo, portanto, outra feição.Feita essa observação, observa-se que Ariano Suassuna procura definir a forma final de seu texto através dos seguintes elementos:1- O autor não propõe, nas indicações que servem de base para a representação, nenhuma atitude de linguagem oral que seja regionalista.2- O autor busca encontrar uma expressão uniforme para todas a personagens, na presunção de que a diferença entre os atores estabeleça a diferença nos chamados registros da fala.3- A composição da linguagem é a mais próxima possível da oralização, isto, é, o texto serve de caminho para uma via oral de expressão.4- Os únicos registros diferentes ocorrem, como indicados no próprio texto:a) do Bispo, "personagem medíocre, profundamente enfatuado" (p.72), como se nota nesta passagem: Deixemos isso, passons, como dizem os franceses (p.74).b) de Manuel (Jesus Cristo) e da Compadecida (Nossa Senhora), figuras desataviadas, embora divinas, porque são concebidas como encarnadas em pessoas comuns, como o próprio João Grilo:
MANUEL: Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus nomes, mas você pode me chamar de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele / isto é, o Encourado, o Diabo / `gosta de me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa pode persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus. (p.147)A COMPADECIDA: Não, João, por que iria eu me zangar? Aquele é o versinho que Canário Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa de ser uma oração, um invocação. Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta de tristeza é o diabo (p.171).
5- Quatro denominações de personagens referem-se a determinados condicionamentos regionais: João Grilo, Severino do Aracaju, o Encourado (o Diabo) e Chicó. Quanto ao Encourado, o autor dá a seguinte explicação:
Este é o diabo, que, segundo uma crença do sertão do Nordeste, é um homem muito moreno, que se veste como um vaqueiro. (p.140)
6- Na estrutura da peça, isto é, na forma final do texto é que se revela o estilo do autor, concebido com o a linguagem através da qual ele cria e comunica sua mensagem fundamental.ESTRUTURAA peça não se apresenta dividida em atos. Como o autor dá plena liberdade ao encenador e ao diretor para definirem o estilo da representação, convém anotar que são por ele sugeridos três atos, cuja divisão ou não por conta dos responsáveis pela encenação:
Aqui o espetáculo pode ser interrompido, a critério do ensaiador, marcando-se o fim do primeiro ato. E pode-se continuá-lo, com a entrada do Palhaço (p.71).Se se montar a peça em três atos ou houver mudança de cenário, começará a aqui a cena do Julgamento, com o pano abrindo e os mortos despertando(p.137).
Do ponto de vista técnico, o autor concebe a peça como uma representação dentro de outra representação.
/.../ o Autor gostaria de deixar claro que seu teatro é mais aproximado dos espetáculos de circo e da tradição popular do que do teatro moderno (p.22).
A representação dentro da representação caracteriza-se:a) pela apresentação do Auto da Compadecida como parte de um espetáculo circense, espetáculo esse simbolizado no Palhaço, que faz a apresentação da peça e dos atores.b) pela apresentação do Auto propriamente dito, com sua personagens. Como a representação ocorre num circo, o Palhaço marca as situações técnicas e estabelece a ligação entre o circo e a representação no circo.c) Ariano Suassuna dá plena liberdade ao diretor, no que respeita à definição do cenário, que poderá "apresentar uma entrada de igreja à direita, com um apequena balaustrada ao funda /../. Mas tudo isso fica a critério do ensaiador e do cenógrafo, que podem montar a peça com dois cenário /.../" (p.21).d) Percebe-se, portanto, que a técnica de composição da peça segue uma linha simplista, solicitada pelo próprio autor, o que faz residir a importância da mesma apenas na proposição dos diálogos e no decurso da ação conseqüente.A estrutura propriamente dita, isto é, a forma final do texto é o elemento fundamental par a compreensão da peça.PERSONAGENSA peça apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo. As personagens assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.Principal: João Grilo é a personagem principal porque atua como criador de tosa as situações da peça. Outras: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio. Essas personagens compõem o quadro de cada situação.Ligação: Palhaço, representando o autor, liga o circo à representação do Auto da Compadecida.Organizado o quadro desses personagens, vejamos agora as características de cada uma delas.1. JOÃO GRILO. A dimensão de sua importância surge logo no início da peça quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
"PALHAÇO: Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada (p.24).
Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por essa personagem:- a benção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: "Era o único jeito de o padre prometer que benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes era " Que maluquice, que besteira!", agora "Não veja mal nenhum em se abençoar as criatura de Deus!" (p.33).- a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido".(p.40). "Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"(p.41).- o testamento do cachorro. JOÃO GRILO: "Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão" (p.63-64).- o gato que "descome dinheiro". JOÃO GRILO: "Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso, eu descome dinheiro" (p.38). "Então tiro. (Passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões). Esta aí, cinco tostões que o gato lhe dá de presente"(p.96).- a gaita que fecha o corpo e ressuscita. JOÃO GRILO: "Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer" (p.122).- a "visita" ao Padre Cícero. JOÃO GRILO: "Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta" (p.127). Essa situação decorre da anterior, mas pode ser considerada com o independente.- o julgamento pelo Diabo (o Encourado). JOÃO GRILO: "Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!"(p.144).- o apelo à misericórdia (À Virgem Maria). JOÃO GRILO: "Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver?" (p.169).Observa-se agora a distribuição das personagens nas situações acima definidas, situações essas todas elas deflagradas por João Grilo, como já foi observado:Situação / Personagens / Conteúdo da situação1ª. João Grilo - Chicó - Padre João: a bênção do cachorro da mulher do padeiro. Expediente de João Grilo: o cachorro pertence ao Major Antônio Morais.2ª. João Grilo - Chicó - Antônio Morais - Padre: chega o Major Antônio Morais. Expediente de João Grilo: o Padre João está maluco, benze a todos e chama todo mundo de cachorro.3ª. João Grilo - Padre - Mulher - Padeiro - Chicó - Sacristão - Bispo: o testamento do cachorro morto. Expediente de João Grilo: o cachorro morto, encomendado em latim e tudo mais, deixa no seu testamento dinheiro para o Sacristão, para o Padre e para o Bispo. Fonte do dinheiro: o Padeiro e sua mulher.4ª. João Grilo - Chicó - Mulher: a mulher do Padeiro lamenta a perda de seu cachorro. Expediente de João Grilo: arranja-lhe um gato que descome dinheiro. Vende-o e faz seu lucro.5ª. João Grilo - Chicó - Bispo - Padre - Padeiro - Frade - Sacristão - Mulher - Severino (do Aracaju) - Cangaceiro: o assalto do cangaceiro Severino do Aracaju. Expediente de João Grilo: a gaita que fecha o corpo e ressuscita. A bexiga cheia de sangue. Evento especial: todas as personagens morrem, inclusive João Grilo. Salva-se Chicó.6ª. Palhaço - João Grilo - Chicó - Todas as demais personagens Demônio - O Encourado - Manuel: ressurreição no picadeiro do circo. O Julgamento pelo Demônio, pelo Encourado e por Manuel (Cristo). Expediente de João Grilo: forçar o julgamento, ouvindo os pecadores.7ª. Todas as personagens - A Compadecida: condenação dos pecadores. Expediente de João Grilo: apelo à misericórdia da Virgem Maria.Pela composição do quadro acima, nota-se que em todas as seqüências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutural.João Grilo é uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e amarelo. Habituado a sobreviver e a viver a partir e expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira. Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo), retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.2. CHICÓ. Companheiro constante de João Grilo e, especialmente, seu diálogo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um amigo leal.3. PADRE JOÃO, O BISPO e o SACRISTÃO. Essas personagens, embora de atuação diversa, estão concentradas em torno de simonia e da cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro.4. ANTÔNIO MORAIS. É a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente miúda.5. PADEIRO e sua MULHER. Encarnam, um lado, a exploração do homem pelo homem e, de outro, o adultério.6. SEVERINO DO ARACAJU e o CANGACEIRO. Representam a crueldade sádica, e desempenham um papel importante na seqüência de número cinco, porque nessa seqüência matam e são mortos. Com isso propicia-se a ressurreição e o julgamento.7. O ENCOURADO e o DEMÔNIO. Julgam, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em Manuel (O Cristo).8. MANUEL. É o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência.9. A COMPADECIDA. É Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser que lhe dará a Segunda oportunidade da vida. Funciona efetivamente como medianeira, plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê, João Grilo.Pela atuação das personagens, pelo sentido global que encima a peça, percebemos claramente que nela existe uma proposição metafísica, vinculada à Igreja Católica e à idéia da salvação.Ao lado da significação global do texto, como estrutura, o Palhaço define essa proposição claramente.O Palhaço realiza, nessa peça, o papel do Corifeu, no teatro clássico, e sua intervenção corresponde à parábase da comédia clássica - trecho fora do enredo dramático em que as idéias e as intenções ficam claramente expressas:PALHAÇO.
Ao escrever esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua lama é um velho catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que esse povo sofre, é um povo e tem direito a certas intimidades (p.23-24)./.../ Espero que todos os presente aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que todos os que estão aqui são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes (p.137).
A intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito clara, desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma linha de pensamento religioso, e da Igreja Católica.PROBLEMÁTICA DA OBRAPela estrutura da peça, pode-se notar que:1- sua intenção clara e expressa é de natureza moral, e de moral católica;2- os componentes estruturais do texto revelam personagens que simbolizam pecados (maiores ou menores), que recebem o direito ao julgamento, que gozam do livre-arbítrio e que são ou não condenados.Percebe-se, de outro lado, que a preocupação maior reside em compor um auto de moralidade, ao estilo quinhentista português (modelo Gil Vicente), mas seguindo alinha do teatro dirigido aos catecúmenos, do Padre Anchieta.Para tanto, a peça se embasa em determinadas tradições localistas e regionalistas do folclore, com vistas à sua sublimação como instrumento pitoresco de comunicação com o público (que, no caso, seriam os catecúmenos).Com isso, nota-se que a realidade regional brasileira, especificamente a realidade nordestina, está presente através de seus instrumentos culturais mais significativos, as crenças e a literatura de cordel.O autor não pretende analisar essa realidade brasileira, mas a partir dela moralizar os homens, isto é, dinamizar nas usas consciências a noção do dever humano e da responsabilidade de cada um em relação a seus semelhantes e em relação a Deus, onisciente e onipresente.Como proposição estética, o Auto da Compadecida procura corporificar as seguintes noções:1- a criação artística, o teatro em particular, devem levar o povo, a cultura desse povo a ele mesmo. Daí o circo, seu picadeiro e a representação dentro da representação.2- menos do que essa realidade regional e cultural de um povo, o que importa é criar um projeto que defina idéias e concepções universais (as da Igreja, no caso) com o fim de consciencializar o público. Por esse motivo a realidade regional nordestina é, no caso, instrumento de uma idéia e não fim em si nessa;3- criar um texto teatral é, antes de tudo, criá-lo para uma encenação, daí a absoluta liberdade que o autor 'da para qualquer modalidade de encenação. O próprio texto final da peça, como editado, é o resultado da experiência colhida a representação pública.Créditos: Sâmara Rodrigues de Ataíde, Especialista em Lingüística e Literatura Comparada - UFV Biblioteca Digital Unec Vestibular-76 (1976), profs. Delson Gonçalves Ferreira, Teotônio Marques Filho, Juarez Távora de Freiras e Luís Paulo de Brito, Editora O Lutador-MG, edição dirigida aos exames vestibulares da UFMG.
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/a/auto_da_compadecida

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Pretiando por ai...

Eu gosto do impossível,
tenho medo do provável,
dou risada do ridículo e choro porque tenho vontade,
mas nem sempre tenho motivo.
Tenho um sorriso confiante que as vezes não demonstra o tanto de insegurança por trás dele.

Sou inconstante e talvez imprevisível.
Não gosto de rotina.

Eu amo de verdade aqueles pra quem eu digo isso,
e me irrito de forma inexplicável quando não botam fé nas minhas palavras.
Nem sempre coloco em prática aquilo que eu julgo certo.
São poucas as pessoas pra quem eu me explico...

Bob Marley